Tratamento dos contêineres suscita discussões tributárias e aduaneiras

A coluna de hoje tratará de duas questões independentes relativas à tributação de contêineres pertencentes a armadores estrangeiros.

  1. Não incidência de ICMS nas peças empregadas no reparo de contêineres estrangeiros utilizados no transporte internacional de cargas
    Os contêineres, também denominados “unidades de carga”, são regidos pela Lei 9.611/98, que prescreve:

“Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.”
“Art. 26. É livre a entrada e saída, no País, de unidade de carga e seus acessórios e equipamentos, de qualquer nacionalidade, bem como a sua utilização no transporte doméstico.”

Em virtude do livre trânsito consagrado no artigo 26, os contêineres não estão sujeitos aos procedimentos típicos de controle aduaneiro, motivo pelo qual podem ingressar no território nacional e dele sair sem que tenham que se submeter à expedição de declarações de importação ou de despachos de exportação.

O comando é reiterado no Regulamento Aduaneiro e na IN/RFB 1.600/2015, que preveem o regime aduaneiro aplicável a tais bens (admissão temporária). É ver, nessa ordem:

“Art. 39. É livre, no País, a entrada e a saída de unidades de carga e seus acessórios e equipamentos, de qualquer nacionalidade, bem como a sua utilização no transporte doméstico (Lei nº 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, art. 26).
§ 1º. Aplica-se automaticamente o regime de admissão temporária ou de exportação temporária aos bens referidos no caput.”
“Art. 5º. Serão automaticamente submetidos ao regime de admissão temporária com suspensão total do pagamento dos tributos, sem registro de declaração de importação:
(…)
IX – as unidades de carga estrangeiras para utilização no transporte, inclusive o doméstico;
X – os acessórios e equipamentos de unidade de carga admitida temporariamente, destinados à segurança, localização, preservação ou registro de condições de temperatura ou umidade, acompanhados ou não das unidades de carga de que trata o inciso IX;”

Frise-se que o regime alcança não apenas os contêineres, mas também as peças nacionais ou nacionalizadas empregadas no seu reparo. Isto o que prevê o artigo 39, parágrafo único, da referida IN:

“Art. 39. Os bens admitidos no regime, ou suas partes e peças, poderão ser submetidos a manutenção ou reparo no País, sem alteração do enquadramento e sem suspensão ou interrupção da contagem do prazo de vigência.
Parágrafo único. Serão consideradas automaticamente em admissão temporária as partes e peças nacionais ou nacionalizadas, desembaraçadas para exportação, e incorporadas a um bem em admissão temporária em virtude de operações de manutenção ou reparo.”

A norma decorre da singela regra de que accessorium sequitur principale. Como é evidente, são exportadas — gozando de imunidade ao ICMS por força do artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea “a” — as peças fornecidas por empresa que realiza em território nacional o reparo de contêineres pertencentes a armadores estrangeiros, pagas com recursos provenientes do exterior.

De fato, como salientou a Receita Federal no Parecer Normativo 1/2018, “a finalidade buscada por qualquer norma que afaste a exigência de determinado tributo em caso de exportação (…) será sempre a de evitar que tal tributo onere o bem ou o serviço exportado quando um ou outro são transferidos para o mercado externo ou, noutra palavra, quando esse ou aquele venha a transpor as fronteiras do País”.

E essa transposição é “facilmente verificável quando referente ao movimento de bens físicos já que sua exportação implica, em princípio, em deslocamento e na passagem do próprio bem pela fronteira, visualmente observável”. Ora, tal passagem é inequívoca no caso das peças incorporadas a contêineres que deixam o território brasileiro. Não por outra razão, reconhece a União a imunidade dessas operações ao PIS e à Cofins (CF, artigo 149, parágrafo 2º, inciso I), como se constata da Solução de Consulta 126/2011 SRRF08/Disit.

Nem se alegue que a legislação editada pela União e, em particular, a IN/RFB 1.600/2015 se limitariam a afastar a incidência de tributos federais, não podendo interferir no ICMS. É que os conceitos de importação e exportação são dados pelo legislador federal, que detém competência privativa para disciplinar o comércio internacional e o controle aduaneiro, a teor do artigo 22, inciso VIII, da Constituição.

As normas editadas no exercício dessa competência vinculam todos os entes políticos, não podendo estados e municípios veicular os seus próprios conceitos de importação e exportação, ainda que para efeito dos seus próprios tributos. Admiti-lo é o mesmo que supor que o Município pode, para fins de IPTU, adotar conceito de bem imóvel diverso do trazido pela legislação civil. A aplicação da imunidade é, portanto, clara.

E nem se alegue que a prova das exportações deveria ser feita pela apresentação de guias, registros de exportação e declarações de despacho lançados no Siscomex, pois já se observou que as peças em questão não se sujeitam a controle aduaneiro ou aos procedimentos típicos de exportação, dado o regime a que estão vinculadas. Veja-se a propósito a IN/RFB 1.600/2015:

“Art. 49. A extinção da aplicação do regime aos bens admitidos com base no art. 5º será automática, dispensadas as formalidades necessárias ao controle aduaneiro, quando de sua reexportação.”

Ora, se a União — único ente habilitado a tanto — dispensa o despacho aduaneiro desses equipamentos e de suas peças, o Estado não pode exigi-lo ou então demandar a apresentação das declarações que decorreriam do aludido controle (o que dá no mesmo). O princípio federativo há de ser respeitado.

  1. Tributação dos contêineres estrangeiros cedidos a empresa coligada brasileira e por ela empregados no transporte de cabotagem
    Como já visto, a sua entrada no Brasil é livre e dá-se pelo regime de admissão temporária. Sucede que este pode acarretar a suspensão total ou parcial do pagamento dos tributos federais incidentes sobre a importação (RA, artigo 353), aplicando-se este último tratamento à “admissão temporária para utilização econômica” (RA, artigos 373-378), como tal entendido “o emprego dos bens na prestação de serviços a terceiros ou na produção de outros bens destinados à venda” (artigo 373, parágrafo 1º). Esse tratamento fiscal encontra respaldo, em relação ao IPI, no artigo 79, caput, da Lei 9.430/96[1] e, quanto ao PIS/COFINS, no artigo 14, caput, da Lei 10.865/2004[2].

Em tal hipótese, os tributos federais são devidos proporcionalmente ao tempo de permanência dos bens no Brasil (RA, artigo 373, caput), calculados à razão de 1% ao mês (RA, artigo 373, parágrafo 2º), ficando a admissão temporária limitada ao prazo de 100 meses (RA, artigo 374, parágrafo 2º)[3].

É certo que a Instrução Normativa RFB 1.600/2015, em seu artigo 5º, inciso IX, dispõe que “serão automaticamente submetidos ao regime de admissão temporária com suspensão total do pagamento dos tributos, sem registro de declaração de importação (…) as unidades de carga estrangeiras para utilização no transporte, inclusive o doméstico”.

Contudo, parece-nos que o transporte doméstico onde os contêineres podem ser utilizados com isenção tributária é aquele necessário à terminação do frete internacional, visão prestigiada pela Receita na Solução de Consulta Cosit 41/2001: “Aplica-se o regime especial de admissão temporária, com suspensão total do pagamento dos tributos incidentes sobre o comércio exterior, às caixas metálicas, contêineres e aos pallets, seus acessórios e equipamentos, na condução de unidades de carga estrangeiras, que ingressem no País com a finalidade de transportar as mercadorias importadas, inclusive no percurso dentro do território nacional, sendo automaticamente submetidos ao regime, sem necessidade de registro de declaração de importação”.

Interpretação mais ampla, para contemplar a situação em exame, colidiria com a lógica da tributação das importações e com os comandos já referidos do Regulamento Aduaneiro e das Leis 9.430/96 e 10.865/2004, todos de hierarquia superior à instrução normativa.

  1. Considerações finais
    A solução das questões atinentes ao comércio internacional pressupõe a análise sistemática de institutos tributários e aduaneiros, sempre à luz da Constituição, campo explorado vez por outra não só nesta coluna, mas também — e com maior frequência — pelos colegas que fazem o Território Aduaneiro e o Direto do Carf, a demonstrar a sua relevância e atualidade.
[1] “Art. 79. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica, ficam sujeitos ao pagamento dos impostos incidentes na importação proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional, nos termos e condições estabelecidos em regulamento.

(…)” [2] “Art. 14. As normas relativas à suspensão do pagamento do imposto de importação ou do IPI vinculado à importação, relativas aos regimes aduaneiros especiais, aplicam-se também às contribuições de que trata o art. 1º desta Lei. (…)” [3] “Art. 373. Os bens admitidos temporariamente no País para utilização econômica ficam sujeitos ao pagamento dos impostos federais, da contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta Seção (Lei nº 9.430, de 1996, art. 79; e Lei nº 10.865, de 2004, art. 14).

§ 1º. Para os efeitos do disposto nesta Seção, considera-se utilização econômica o emprego dos bens na prestação de serviços a terceiros ou na produção de outros bens destinados a venda.

§ 2º. A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pela aplicação do percentual de um por cento, relativamente a cada mês compreendido no prazo de concessão do regime, sobre o montante dos tributos originalmente devidos.

(…)

Art. 374. O regime será concedido pelo prazo previsto no contrato de arrendamento operacional, de aluguel ou de empréstimo, celebrado entre o importador e a pessoa estrangeira, prorrogável na medida da extensão do prazo estabelecido no contrato, observado o disposto no art. 373.

§ 1º. O prazo máximo de vigência do regime de que trata o art. 373 será de cem meses. (…)”

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