PIS/COFINS SOBRE TRANSPORTE INTERNACIONAL TEM FEIÇÕES PROTECIONISTAS

O PIS/COFINS interno não incide sobre a receita dos serviços de transporte internacional prestados, em qualquer sentido – daqui para o exterior, ou do exterior para cá –, por empresa residente no Brasil (Medida Provisória 2.158-35/2001, artigo 14, inciso V e parágrafo 1º)[1].

Por sua vez, o PIS/COFINS-Importação incide sobre serviços prestados por residentes no exterior se executados aqui ou se aqui tiverem o seu resultado (Lei 10.865/2004, artigo 1º, parágrafo 1º, incisos I e II).

O transporte internacional, por definição, inicia-se em um país e completa-se em outro, o que impede a formulação de juízos peremptórios sobre os locais de sua execução (que ocorre parte no país de origem, parte no de destino e, sendo o caso, também naqueles por onde o veículo transita) e de seu resultado (este é apenas a entrega, ou também a coleta?).

Para superar essa dificuldade, buscamos referência em dois critérios: os princípios do destino e da neutralidade (não-discriminação) no comércio internacional. O primeiro orienta que nenhum país exporte tributos. O segundo, que uma operação ou prestação realizada por não residente sofra carga fiscal idêntica – considerados os tributos sobre o consumo – à que incidiria caso fosse praticada por um residente.

Posto isso, entendemos que há importação de serviço quando um transportador estrangeiro contratado por empresa brasileira traz mercadorias do exterior para o Brasil. Com efeito, se o transportador fosse brasileiro, a incidência do PIS/COFINS interno seria certa, não fosse a já referida isenção da MP 2.158-35/2001.

Esta isenção, porém, acaba por não representar benefício para o importador, não tendo caráter protecionista dos transportadores brasileiros. É que, a teor do artigo 77, inciso I, do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), integra o valor aduaneiro – base de cálculo do PIS/COFINS importação sobre mercadorias (Lei 10.865/2004, artigo 7º, inciso I) – “o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro”.

É dizer: o frete, não importa quem o tenha realizado ou pago, é tributado de forma englobada na mercadoria, não sendo mesmo razoável que o fosse de novo sob a forma de receita do transportador brasileiro.

O mesmo vale para o prestador estrangeiro – estamos sempre a falar da importação de mercadorias –, situação na qual a cobrança do PIS/COFINS-Importação também não se dá em separado. É o que decorre do artigo 2º, inciso X, da Lei 10.865/2004, segundo o qual não é tributável “o custo do transporte internacional e de outros serviços, que tiverem sido computados no valor aduaneiro que serviu de base de cálculo da contribuição”.

Lado outro, entendemos não haver importação de serviços (e, pois, não haver PIS/COFINS) quando o transportador não residente é contratado pela empresa brasileira para levar as suas mercadorias daqui para o exterior. Com efeito, isso imporia ao adquirente estrangeiro dos bens (que são imunes às contribuições, na forma do artigo 149, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição) o ônus desses mesmos tributos, naquilo em que incidentes sobre o frete.

Bem por isso, estendemos a não incidência ao transportador brasileiro em igual situação, debate que fica prejudicado pela isenção da MP 2.158-35/2001.

Em suma: seja o transportador brasileiro ou estrangeiro, há PIS/COFINS (embutido naquele das mercadorias) no frete entrante, mas não no sainte. A conclusão é confirmada, ainda que nem sempre pelos mesmos fundamentos, na jurisprudência do CARF[2].

Resolvida a questão da incidência, cuida-se agora de perquirir o direito de crédito do contratante do transporte.

Quanto ao frete entrante de transportador estrangeiro, o direito de crédito seguirá a sorte dos bens importados. Essa, inclusive, a posição da Receita Federal do Brasil (Solução de Consulta 75 – SRRF08/Disit – 2013), valendo notar que há três correntes sobre a extensão da não-cumulatividade em relação às mercadorias adquiridas pelo contribuinte:

  • a do Fisco, segundo a qual só dão crédito de PIS/COFINS os bens expressamente listados na legislação (os serviços não interessam aqui, por não serem passíveis de transporte);
  • a intermediária, segundo a qual dão crédito todas as mercadorias imprescindíveis ao processo produtivo do adquirente; e
  • a ampliativa, que entendemos ser a única compatível com o nosso Direito[3], segundo a qual dão crédito todas as mercadorias necessárias ao bom funcionamento do tomador, inclusive aquelas ligadas às suas funções administrativas, aproximando-se – com a ressalva de que se limita aos dispêndios tributados pelas contribuições – da ideia de dedutibilidade para efeito de IRPJ e CSLL.

O frete sainte de transportador estrangeiro, não sendo sujeito às contribuições e nem sendo objeto de regra específica quanto à geração de créditos presumidos, não dá direito a crédito de qualquer natureza.

Já quanto ao frete internacional contratado no Brasil, tem-se que o artigo 3º, parágrafo 2º, inciso II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 veda o creditamento pelo valor “da aquisição de (…) serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição”.

A RFB entende que, como o exportador brasileiro não revende o frete e nem o emprega como insumo (pois os produtos já estão acabados), tem direito de crédito, apesar da isenção do transportador (Solução de Consulta 89 – SRRF08/Disit; Solução de Consulta 98/2012).

Economicamente, temos que este crédito do exportador não se justifica, pois não há incidência na etapa anterior (a prestação do serviço de transporte), e o transportador tem direito de crédito quanto aos dispêndios necessários à prestação do serviço isento, nos termos do artigo 17 da Lei 11.033/2004[4], podendo utilizá-lo na forma do artigo 16 da Lei 11.116/2005[5] – o que bastaria para desonerar inteiramente a venda internacional.

Contudo, esta é a letra da lei, que a nosso ver garante o crédito também quanto ao transporte internacional contratado internamente para a importação de insumos, desde que os produtos finais fabricados pelo importador não sejam isentos, sujeitos à alíquota zero ou por qualquer outro motivo alheios ao PIS/COFINS.

Mais uma vez, o crédito presumido parece-nos injustificado e protecionista dos prestadores brasileiros – que, únicos a gerarem o benefício, tenderão a ser preferidos em detrimento dos estrangeiros. Com efeito, o frete é tributado no preço da mercadoria importada e dá direito de crédito ao adquirente junto com ela, constituindo a autorização em tela duplo crédito relativo a uma única incidência. Mas, reiteramos, isso é o que decorre da lei, cabendo a sua impugnação a eventuais prejudicados.

Resta analisar a contratação, por empresa brasileira, de transportadora nacional para a importação de produtos acabados destinados à revenda. Não se tratando de insumos, não há falar em enquadramento no permissivo legal em análise. Porém, temos que a boa interpretação da não-cumulatividade garante o direito nesse caso, sendo de lembrar que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, quanto ao frete interno, o direito ao crédito em operação de compra de produtos destinados à revenda (caso de aquisição de veículos da fábrica pelas concessionárias), mesmo que a letra da lei o limite às operações de venda[6] [7].

Em conclusão, embora aparentemente complexo, o sistema de tributação do transporte internacional pelo PIS/COFINS é coerente no lado da incidência. No que toca à geração de créditos, vincula-se ao debate sobre a não-cumulatividade na aquisição de mercadorias e padece – como tem sido comum nos últimos tempos – de um mal disfarçado protecionismo[8].

[1] “Art. 14.  Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:

(…)

V – do transporte internacional de cargas ou passageiros;

(…)

  • 1º.  São isentas da contribuição para o PIS/PASEP as receitas referidas nos incisos I a IX docaput.”

[2] 3ª Seção de Julgamento, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Acórdão 3302001.927, Relator Conselheiro José Antônio Francisco, j. 30.01.2013; 3ª Seção de Julgamento, 1ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Acórdão 3102-002.144, Relator Conselheiro Álvaro Arthur Lopes de Almeida Filho, j. 26.02.2014.

[3] É o que já sustentamos neste espaço: https://www.conjur.com.br/2013-mai-01/consultor-tributario-uniao-estados-desacreditam-nao-cumulatividade

[4] “Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.”

[5] “Art. 16. O saldo credor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurado na forma do art. 3º das Leis nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e do art. 15 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, acumulado ao final de cada trimestre do ano-calendário em virtude do disposto no art. 17 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, poderá ser objeto de:

I – compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação específica aplicável à matéria; ou

II – pedido de ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria.”

[6] Lei 10.833/03: “Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(…)

IX – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.”

[7] REsp. 1.215.773/RS, Relator Ministro César Ásfor Rocha, DJe 18.09.2012

[8] Comportamento que já denunciamos, noutro contexto, na coluna de 15.04.2015: https://www.conjur.com.br/2015-mar-18/consultor-tributario-adicional-cofins-importacao-medida-protecionista-invalida

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