ICMS/ST não gera débito nem crédito de PIS-Cofins para o substituído

Mesmo após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter decidido que todo o ICMS destacado deve ser excluído da base de cálculo dos débitos de PIS-Cofins (Tema 69 da repercussão geral), a União — em linha com a posição que vínhamos defendendo — definiu que o imposto estadual deveria, até ulterior alteração legislativa, ser mantido na base de cálculo dos créditos das contribuições: Parecer PGFN 14.483/2021 e artigo 171, inciso II, da IN/RFB 2.121/2022. Tal alteração foi finalmente implementada pela Lei 14.592/2023, que inseriu um inciso III no parágrafo 2º do artigo 3º das Leis 10.637/2022 e 10.833/2003 [1], cuja validade parece-nos inquestionável.

Tudo isso diz respeito ao ICMS próprio. Mas quais os reflexos desta famosa tese sobre o ICMS/ST? Por um lado, é preciso considerar que a substituição tributária para a frente constitui mera técnica de arrecadação, não dando nascimento a tributos diversos daqueles a que se aplica. Tal premissa foi confirmada pelo STF no Tema 201 da repercussão geral, no qual se decidiu que “é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. Por outro lado, as particularidades do regime impedem a extensão automática para o seu âmbito das conclusões aplicáveis ao ICMS próprio, exigindo análise pormenorizada.

Comecemos por constatar que desde sempre a legislação livrou o substituto de recolher PIS/Cofins sobre o ICMS/ST que cobra do substituído para posterior entrega ao Estado (IN/RFB 2.121/2022, artigo 25, parágrafo 3º, inciso II, e suas antecessoras: IN/RFB 1.911/2019, artigo 26, parágrafo 4º, inciso II, e outras). Isso porque, correndo por fora do preço, o ICMS/ST não se integraria à receita bruta ou ao faturamento do substituto nem mesmo se o ICMS próprio os compusesse.

A polêmica liga-se ao seu tratamento no nível do substituído. Duas perguntas se apresentam: 1) deve o substituído incluir o ICMS/ST na base de cálculo do seu PIS/Cofins? 2) tem o substituído crédito de PIS/Cofins quanto ao ICMS/ST pago pelo substituto? Um exemplo numérico basta para responder à primeira. Figurem-se as vendas de uma mercadoria do fabricante (substituto tributário do ICMS) para o comerciante (substituído), e deste para o consumidor.

Considerem-se os preços de 10 mil e 12 mil, respectivamente, uma MVA de 20% (coincidência entre as bases presumida e real) e alíquotas de 18% de ICMS e 9,25% de PIS/Cofins. Admita-se, para simplificar, 1) que tanto os débitos quanto os créditos de PIS/Cofins sejam calculados sem a inclusão do ICMS destacado nas notas fiscais de saída e de entrada (na forma da legislação atual) e 2) que nenhum dos agentes tenha outros créditos de ICMS ou de PIS/Cofins que não os relativos às operações em tela. Eis os cenários:

Quadro 1 – Regime normal de apuração do ICMS (débito e crédito)

 FabricanteComerciante
Preço10.00012.000
ICMS destacado1.8002.160
Crédito ICMS01.800
ICMS a pagar1.800360
Base de cálculo PIS/Cofins: preçomenos ICMS destacado na nota de venda8.200(10.000 – 1.800)9.840(10.000 – 2.160)
Débito PIS/Cofins758,5910,20
Crédito PIS/Cofins0758,5
PIS/Cofins a pagar758,5151,7
Carga total ICMS  2.160
Carga total PIS/Cofins  910,20

Quadro 2 – Cálculo do ICMS por substituição para a frente, sem exclusão do PIS/Cofins sobre o ICMS/ST

FabricanteComerciante
Preço10.00012.000
ICMS destacado1.800 próprio +360 ST2.160 ST
Crédito ICMS00
ICMS a pagar2.1600(pago pelosubstituto)
Base de cálculo PIS/Cofins: preço menosICMS próprio destacado na nota de venda8.200(10.000 – 1.800)12.000(não há destaquede ICMS próprio)
Débito PIS/Cofins758,51.110
Crédito PIS/Cofins0785,5
PIS/Cofins a pagar758,5351,5
Carga total ICMS  2.160
Carga total PIS/Cofins  1.110

Quadro 3 – Cálculo do ICMS por substituição para a frente, com exclusão do PIS/Cofins sobre o ICMS/ST

 FabricanteComerciante
Preço10.00012.000
ICMS destacado1.800 próprio360 ST2.160 ST
Crédito ICMS00
ICMS a pagar2.1600
Base de cálculo PIS/Cofins: preço menosICMS destacado na nota de venda8.200(10.000 – 1.800)9.840(12.000 – 2.160)
Débito PIS/Cofins758,5910,20
Crédito PIS/Cofins0758,5
PIS/Cofins a pagar758,5151,7
Carga total ICMS  2.160
Carga total PIS/Cofins  910,20

Como fica claro, a incidência do PIS-Cofins sobre o ICMS/ST aumenta, ceteris paribus, a carga final dessas contribuições, levando a que uma decisão tomada no âmbito do Estado altere a situação do Fisco federal e a do contribuinte perante este último, contrassenso que, entre outros vícios, distorce o princípio federativo. A diferença (1.110 – 910,20 = 199,80) equivale à aplicação da alíquota de 9,25% do PIS/Cofins sobre os 2.160 de ICMS (próprio + ST) incidentes em toda a cadeia de circulação da mercadoria (2.160 x 9,25% = 199,80), a demonstrar que a não exclusão, pelo substituído, do ICMS/ST da base de cálculo das contribuições anula inteiramente os efeitos da decisão do STF no Tema 69 — o que não se pode admitir.

Se nem o substituto nem o substituído pagam PIS/Cofins sobre o ICMS/ST, deve o segundo ter crédito quanto a ele? A 1ª Turma do STJ entende que sim, aos fundamentos de que 1) o ICMS/ST integra o custo de aquisição da mercadoria e 2) o fato de não ser sujeito às contribuições é irrelevante face ao artigo 17 da Lei 11.033/2004, segundo o qual “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações” (AgInt no REsp. 2.014218/RS, relator ministro Sérgio Kukina, DJe 13/6/2023).

Assim não nos parece. Primeiro porque o crédito é calculado pela aplicação das alíquotas sobre “o valor dos bens adquiridos para revenda” (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I c/c o inciso I do caput), e o ICMS/ST, correndo por fora do preço e constituindo tributo devido por futura operação do próprio adquirente, decerto não o integra. Segundo porque a não tributação do ICMS/ST não é suficiente para qualificar toda a operação como beneficiada por suspensão, isenção, alíquota 0 ou não incidência do PIS/Cofins — pressupostos de aplicação do citado artigo 17.

Terceiro porque parece necessário manter-se a coerência entre o ICMS próprio e o ICMS/ST: se o primeiro não gera mais créditos de PIS/Cofins, não há base jurídica para defender-se tratamento diverso ao segundo. E quarto porque, prosseguindo no Quadro 3 acima, percebe-se que o reconhecimento deste crédito adicional de 33,30 (360 x 9,25%) reduziria a carga total da cadeia para 876,9 — o que é menos do que 9,25% sobre o preço final da mercadoria (livre de ICMS), como impõe a lógica da não cumulatividade. Com razão na matéria, a nosso ver, está a 2ª Turma do STJ (AgInt no Resp. 2.022.271/PR, relator ministro Francisco Falcão, DJe 24/3/2023).

Em suma, é preciso respeitar a decisão do STF, que não pode ser solapada por vias oblíquas, mas tampouco há motivos para ir-se além dela, concedendo-se crédito quanto a grandeza não onerada pelo PIS/Cofins. A não incidência das contribuições sobre o ICMS/ST nos níveis do substituto e do substituído é quanto basta para dar-se inteira aplicação ao Tema 69 da repercussão geral.

Ambas as questões tratadas nesta coluna merecem o crivo da 1ª Seção do STJ. A primeira já está afetada como Tema 1.125 dos recursos repetitivos: “possibilidade de exclusão do valor correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins devidas pelo contribuinte substituído”. A segunda, dada a divergência entre as duas Turmas de Direito Público, certamente o será. [1] “Artigo 3, 2º. Não dará direito a crédito o valor:
(…)
III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição.”

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