CONFLITO NA DEFINIÇÃO DE FONTE LEVA À DUPLA TRIBUTAÇÃO DE RENDAS PASSIVAS

O Brasil tributa os seus residentes pelo critério da renda mundial, e os não-residentes apenas quanto aos rendimentos oriundos de fonte brasileira. Nesse contexto, assume especial relevo a definição do que seja “fonte”, podendo ser diferentes os critérios adotados pelos países em relação a cada categoria de rendimento.

Da divergência entre tais regras pode resultar que um rendimento seja considerado, ao mesmo tempo, como oriundo de mais de uma jurisdição (dupla ou múltipla tributação decorrente do cúmulo de fontes).

O tema é considerado sempre da perspectiva dos não-residentes, pois os residentes são tributados por toda a sua renda, derive de onde derivar. É certo que um residente no Brasil pode ser afetado pelo conflito entre dois Estados estrangeiros que se arrogam a condição de fonte do seu rendimento (efeitos quanto às regras internas ou convencionais de atenuação da dupla tributação). Mas a hipótese não será de conflito fonte-fonte envolvendo o Brasil, por isso escapando ao tema desta coluna.

A questão tem merecido pouca atenção da doutrina nacional. Um dos raros casos descritos concerne ao regime convencional dos juros. Lembra Alberto Xavier que as convenções contra a dupla tributação internacional assinadas pelo Brasil consideram-nos oriundos, seja do Estado onde reside a sociedade devedora, seja daquele onde situado o estabelecimento permanente em favor do qual o empréstimo foi tomado. Assim, por exemplo, os juros pagos por filial brasileira de empresa estrangeira serão considerados como originários, ao mesmo tempo, de ambos os países, que ficarão igualmente legitimados a exigir o IR-fonte, dupla tributação que “só será eliminada se o país da residência renunciar a caracterizar-se como país da fonte dos juros, como admite a OCDE” [1].

Em suma, o que importa é definir, na forma do Direito brasileiro, a fonte das rendas passivas auferidas por não-residentes. Visto que a legislação nacional nem sempre é explícita na matéria, exige-se da doutrina um esforço de sistematização a partir de comandos genéricos.

Assim, fundado em uma interpretação conjugada dos artigos 682 e 685 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99), Alberto Xavier[2] sustenta que o Brasil só tributa os rendimentos auferidos por residentes no exterior quando no território nacional estejam situadas ao mesmo tempo a fonte de produção (a atividade, bem ou direito que dá origem à renda) e a fonte de pagamento (a pessoa que efetua o pagamento, que deve ser residente no País).

A seu turno, defende Heleno Tôrres[3], nosso colega neste espaço, que basta para a tributabilidade do rendimento auferido por residente no exterior que a fonte de produção se localize no Brasil, pouco importando a origem do pagamento.

Esta exigência mínima tem respaldo em manifestação da Receita Federal, consubstanciada no Parecer Normativo da Coordenadoria do Sistema de Tributação 140/73, segundo o qual os juros são tributáveis no Brasil quando “produzidos pela utilização do capital no País”.

Porém, ambos os juristas admitem, a nosso ver acertadamente, que o legislador federal pode instituir exceções às regras que descrevem[4].

Como exceções aos critérios cumulativos que estabelece, Alberto Xavier[5] cita os serviços prestados por residente no exterior, tributáveis no Brasil desde que o pagamento se origine do País (e mesmo que a fonte de produção seja estrangeira: Lei 9.779/99, artigo 7º), e os ganhos de capital decorrentes da alienação de bens situados no Brasil, sujeitos ao imposto brasileiro ainda que o pagamento se faça entre não-residentes (Lei 10.833/2003, artigo 26).

E Heleno Tôrres menciona os serviços prestados por residente no exterior como exceção ao requisito mínimo que identifica.

O critério – mesmo tomado em sua expressão mais restritiva – é por vezes negligenciado pelas autoridades fiscais, como se verifica da Solução de Consulta 361/2008, da Superintendência da Receita Federal em São Paulo, que declara sujeitas ao IR-fonte brasileiro as importâncias pagas por sociedade brasileira a empresa residente em Portugal como contraprestação pelo aluguel de bens móveis ou imóveis situados naquele país.

Ora, à falta de determinação legal expressa de incidência, temos que o imposto é inexigível, ainda que o pagamento seja feito por residente no Brasil, já que se trata de rendimento nascido de fonte estrangeira (bens situados no exterior).

Tal extrapolação do campo espacial de incidência do imposto pode dar ensejo a uma dupla tributação por conflito fonte-fonte, verificável caso o bem alugado por residente no Brasil pertença a residente de um país B e se situe em um país C, o qual também se considere fonte dos aluguéis.

Fixadas essas premissas, passemos à análise dos riscos de dupla tributação decorrente do conflito fonte-fonte quanto a cada categoria de renda passiva, assim entendidos os dividendos, os juros e os royalties[6].

Os dividendos pagos por sociedades tributadas no Brasil são isentos de imposto de renda, quer o beneficiário seja pessoa física ou jurídica, seja residente no País ou no exterior, pouco importando, ademais, o local onde desenvolvidas as atividades geradoras do lucro distribuído (Lei 9.249/95, artigo 10). Assim, não vemos possibilidade de o País dar causa a dupla tributação por conflito fonte-fonte quanto a dividendos dele originários.

É certo que os dividendos recebidos do exterior por residente no Brasil, pessoa física ou jurídica, integram a base de cálculo do respectivo imposto de renda. Mas tal regra não enseja a dupla tributação decorrente de conflito fonte-fonte envolvendo o País.

Imagine-se que o Fisco brasileiro qualifique a sociedade que paga os dividendos como residente no exterior, pretendendo tributá-los na pessoa do beneficiário, e que outro Estado envolvido a considere como residente no Brasil. De tal conflito negativo fonte-fonte (cada jurisdição entendendo que a outra é a fonte dos dividendos), o máximo que se terá será a tributação (acaso) indevida destes no Brasil, mas não a sua oneração simultânea pelo outro país, para o qual terá ocorrido pagamento de dividendos por sociedade residente no Brasil a beneficiário residente no Brasil.

A localização da fonte dos juros de aplicações financeiras não apresenta maiores dificuldades, visto estarem as instituições financeiras sujeitas a registro no Banco Central do Brasil.

Os juros pagos por residente no Brasil ou por filial brasileira de empresa estrangeira[7] em razão da compra de bens a prazo no exterior têm, segundo pensamos, fonte brasileira ainda que o bem se destine a ser utilizado em outro país. De fato, a fonte de produção dos juros é o capital emprestado, e não o emprego que se lhe vá dar (o produto ou serviço adquirido, a dívida a ser paga ou o investimento a ser feito com a importância mutuada, etc.).

Isso, ademais, o que decorre do artigo 11 do Decreto-lei 401/68, que erige a remessa em fato gerador, e o remetente em contribuinte (em rigor, simples fonte retentora, corrige Alberto Xavier[8]).

A mesma regra vale para os juros de crédito externo tomado para outros fins que não a compra de bens a prazo (financiamento de exportações, emissão de títulos internacionais, etc.).

Os juros sobre o capital próprio – que entendemos terem natureza de dividendos[9] [10], com a diferença de não serem isentos, submetendo-se a 15% de imposto de renda na fonte quando do pagamento a beneficiário no Brasil ou no exterior – têm fonte brasileira quando pagos por empresa tributada no País.

Quanto aos royalties (Regulamento do Imposto de Renda, artigo 710), que englobam a remuneração de direitos (artigo 709) e aos quais são equiparados os serviços técnicos, de assistência técnica e administrativa (artigo 708), vale a regra exclusiva da fonte de pagamento.

A fonte de produção desses rendimentos é o local onde explorados os bens ou direitos licenciados. Porém, por força dos dispositivos acima, o imposto brasileiro incide mesmo quando tal fruição econômica ocorre no exterior, bastando que o pagamento saia do País e pouco importando que o solvens seja mera filial brasileira de sociedade estrangeira, como se nota do já citado artigo 147, II, do Regulamento do Imposto de Renda, no particular não afastado pelas convenções contra a dupla tributação internacional firmadas pelo Brasil (é ver, à guisa de exemplo, o artigo 15, item 2, do tratado com o Chile).

Embora pouco explorado no Brasil, o tema da dupla tributação nascida de conflito fonte-fonte apresenta grande relevância teórica e prática, sendo de supor que adquirirá maior destaque no futuro próximo.

A edição de regras claras para a definição da fonte dos diversos tipos de rendimentos – embora não bastasse para obviar tais conflitos, dada a liberdade dos legisladores nacionais quanto à eleição dos critérios – pelo menos tornaria menos nebuloso o cenário brasileiro na matéria.

A solução possível parece residir na auto-contenção dos Estados – que devem resistir à tentação de tributar situações destituídas de um genuine link (ainda que tenham um qualquer link) com o seu território – e na ampliação e no constante aprimoramento da rede de tratados contra a dupla tributação internacional.

[1] Direito Tributário Internacional do Brasil. 7 ed. Reformulada e atualizada até junho de 2010 com a colaboração de Roberto Duque Estrada e Renata Emery. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 609.

[2] Op. cit., p. 439-441.

[3] Pluritributação Internacional sobre as Rendas das Empresas. 2 ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2001, p. 338-341.

[4] De fato, sendo o conceito de “renda e proventos de qualquer natureza” bastante amplo, e de radicação mais econômica do que jurídica, é amplo – embora não seja ilimitado – o espaço de que dispõe o legislador para, sem ofender os limites do artigo 110 do CTN, proceder às deformações conceituais permitidas pelo artigo 109 do mesmo estatuto.

[5] Op. e loc. cit.

[6] O conceito de renda passiva não é unívoco, havendo quem nele inclua os ganhos de capital e os aluguéis. Seja como for, essas duas categorias já foram consideradas, nada havendo que necessitasse ser desenvolvido sobre a questão aqui examinada (definição de fonte).

[7] Equiparada a residente no Brasil pelo artigo 147, II, do Regulamento do Imposto de Renda.

[8] Op. cit., p. 490-498.

[9] Da disciplina do instituto pela Lei 9.249/95 resulta claro que não se trata de remuneração por crédito concedido, mas de benefício fiscal consistente na dedutibilidade dos dividendos – quando calculados segundo certos critérios – para fim de apuração do lucro tributável, de sorte a evitar que a capitalização das empresas por equity seja menos vantajosa do que por empréstimo.

[10] Esta não tem sido, porém, a compreensão do Superior Tribunal de Justiça, que afirma de modo expresso a diversidade de natureza jurídica entre os juros sobre o capital próprio e os dividendos. É ver: 1ª Turma, AgRg no Ag. 1.209.804/RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 02.02.2011; 2ª Turma, AgRg no REsp. 946.411/SC, Relator Ministro Castro Meira, DJe 05.10.2009.

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