As suspensões de liminares no Direito Tributário e o diferencial de alíquota

Algumas práticas precisam ser repensadas no instituto das suspensões de liminares em meio a julgamento
do STF

Por: LUAN MOREIRA & MATHEUS AVILLA

No início do ano, mais especificamente em fevereiro, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de diferencial de alíquota pelos estados, fixando a tese de que o recolhimento dessa modalidade de ICMS deve ser regulado por Lei Complementar.
Apesar de o julgamento ter sido realizado em regime de Repercussão Geral, que vincula todos os tribunais do país a seguirem este entendimento, apenas recentemente os contribuintes que discutem o tema com o Estado da Bahia puderam suspender o pagamento destes valores em suas discussões judiciais, já que até então produzia efeitos uma Suspensão de Liminar que vigorava desde maio de 2020.
Relembrando a discussão do Difal-ICMS, o STF julgou o tema por meio de controle concentrado na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n° 5.464/DF e em controle difuso, por meio de regime de Repercussão Geral, no Recurso Extraordinário n° 1.287.019 – Tema nº 1.093.
Ainda estão pendentes de julgamento os Embargos de Declaração, opostos para que se esclareça o marco temporal da modulação de efeitos, mas o mérito já foi resolvido e até mesmo a modulação já foi enfrentada no referido julgamento, oportunidade em que se fixou o entendimento de que a decisão somente passaria a valer a partir de 2022, ressalvadas as medidas judiciais já ajuizadas – o recurso aclaratório foi para que fique expresso se eram as ações ajuizadas até a data de julgamento ou até a data de publicação da ata de julgamento, conforme jurisprudência do próprio STF.
No entanto, apesar de parecer que o tema já estava praticamente pacificado, no Estado do Bahia ainda havia resistência para usufruir da decisão, pois a Procuradoria daquele estado ajuizou a Suspensão de Liminar n° 8011381- 53.2020.8.05.0000, que impedia diversos contribuintes que discutiam o tema judicialmente de deixarem de fazer o recolhimento do tributo.
Na prática, o Tribunal de Justiça da Bahia proferiu uma decisão que permitia à Procuradoria requerer a suspensão de qualquer liminar obtida pelos contribuintes em primeira instância, impedindo os contribuintes daquele estado de suspenderem a exigibilidade do crédito. Esse cenário só foi alterado em setembro, quando finalmente a referida decisão foi revogada e a Repercussão Geral passou a ser observada naquele estado.
Para os que não conhecem, a Suspensão de Liminar é uma medida judicial própria muito pouco utilizada e de caráter excepcional, cuja hipótese de cabimento é proteger o interesse público ou evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, nos termos do art. 15 da Lei n° 12.016/09 e do art. 4° da Lei n° 8.437/1992. Tanto é assim que apenas pessoas jurídicas de Direito Público ou o Ministério Público podem ajuizá-la diretamente contra o Presidente do Tribunal de sua região.
Frise-se que as hipóteses de cabimento para defender o “interesse público” ou “evitar algum tipo de lesão ao erário” são muito amplas, razão pela qual, às vezes, as Fazendas Estaduais ajuízam este tipo de medida apenas para impedir que uma determinada tese tributária reduza consideravelmente a arrecadação do ente federativo.
Isso foi exatamente o que ocorreu no caso da Suspensão de Liminar deferida pelo TJBA, pois o pedido da Fazenda do Estado para suspender todas as medidas liminares que afastavam o recolhimento do Difal devido àquele estado, foi feito sob o principal fundamento de que estes montantes eram expressivos para a administração pública.
Não discorreremos aqui sobre o acerto ou não deste tipo de decisão, fundamentada exclusivamente em razões sociais ou econômicas, quase à maneira do consequencialismo jurídico, pois sabemos que existem valores que devem ser protegidos pelo Estado. O que se procura criticar aqui é o fato de não ser possível a revisão do mérito da decisão por meio dos recursos legalmente previstos e a liberdade de se continuar cassando liminares, mesmo quando já há uma Repercussão Geral sobre o tema.
Em relação ao primeiro ponto, as Leis n° 12.016/09 e 8.437/1992 preveem a possibilidade de ajuizamento de Agravo Interno contra a decisão que defere o pedido da Suspensão de Liminar pelo presidente do tribunal e, ainda, a interposição de recursos extraordinários aos tribunais superiores. Todavia, os precedentes do STJ e do STF são predominantemente no sentido de não ser possível reavaliar o mérito da decisão.
O principal argumento invocado nessas ocasiões é que a decisão proferida pelos tribunais de origem para defender o “interesse público” ou para “evitar algum tipo de lesão ao erário” decorrem da análise dos fatos, o que não seria passível de revisão pelos tribunais superiores.
Na prática, o que acaba ocorrendo é que, por um lado, as hipóteses de concessão de uma Suspensão de Liminar acabam sendo muito abrangentes e, por outro, não há a possibilidade de reapreciação da matéria por outro órgão do Poder Judiciário quando um tribunal regional a concede, ofendendo diretamente o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição do nosso ordenamento.
Ao nosso ver, assim como ocorre com o Habeas Corpus e outras medidas excepcionais do Poder Judiciário, a reanálise do tema pelas instâncias superiores deveria ser possível. Inclusive, corrobora este argumento o fato de que tais medidas são ajuizadas diretamente contra o Presidente dos Tribunais de origem, cabendo apenas agravo contra eventual decisão desfavorável.
Na verdade, a única hipótese em que os tribunais superiores reconhecem a possibilidade de revisão deste tipo de decisão é quando a jurisprudência já se encontra pacificada por meio de Recursos Repetitivos, Repercussão Geral, Súmula Vinculante ou controle concentrado de constitucionalidade[1].
Nestas oportunidades, o mérito da decisão passa a ser revisto, já que a não observância das decisões proferidas com efeitos vinculantes pelo STJ e pelo STF, claramente implicariam em insegurança jurídica. Inclusive, este foi o argumento adotado pelo TJBA para recentemente reverter seu próprio entendimento na Suspensão de Liminar e permitir que os casos individuais concedessem liminares contra a cobrança de Difal, já que o STF já havia pacificado a matéria.Ocorre que, enquanto este julgamento não ocorria, todos os contribuintes que discutiam o tema em 1° grau e tinham conseguido liminares, mesmo que com base na Repercussão Geral ou no controle concentrado, tiveram suas decisões cassadas, pois a Suspensão de Liminar também pode gerar efeitos vinculantes em sua jurisdição.
Para nós, este é o segundo ponto que merece ser questionado nesta situação, pois se há uma decisão em Repercussão Geral ou em controle concentrado proferida pelo STF, obviamente que este entendimento deveria prevalecer nas instâncias originárias, mesmo que houvesse conflito com eventuais decisões adotadas em Suspensões de Liminares.
Não por outro motivo, os contribuintes que foram prejudicados por essa situação incomum, tiveram que optar por realizar depósitos judiciais para suspender a exigibilidade do crédito ou aguardarem eventuais atos constritivos praticados pela fazenda, mesmo detendo direito mais que suficiente para deixar de realizar os pagamentos por força de decisão judicial.
Por todo o exposto, em nossa opinião fica claro, a partir do exemplo acima, que o uso e os desdobramentos da Suspensão de Liminar no âmbito do Direito Tributário precisam ser repensados, já que o instrumento comporta peculiaridades únicas em nosso ordenamento jurídico e que ainda não foram enfrentadas pelos nossos tribunais. [1] AgRg na SLS 1.515/MG do STJ e SL 1266 ED-AgR do STF
LUAN MOREIRA – Mestrando em Direito Tributário pela FGV. LLM em Direito Tributário pelo Insper.
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado no Mauler Advogados
MATHEUS AVILLA – Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado no Schneider, Pugliese, Sztokfisz, Figueiredo Advogados

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