1ª TURMA DA 4ª CÂMARA DA 3ª SEÇÃO

Carf: conselheiros dos contribuintes se dizem coagidos por presidente de turma Após debate sobre aplicação de súmula presidente de turma afirmou que representaria conselheiros dos contribuintes

Uma discussão sobre aplicação de súmula levou o presidente da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a afirmar que representaria contra conselheiros dos contribuintes que atuam no colegiado. Como consequência, eles podem perder o mandato.

Lázaro Soares disse ter “dever de lealdade a todos os colegas”, e antes que fossem proferidos todos os votos, interrompeu a sessão para comunicar que a consultou a administração do Carf sobre a situação e foi orientado a fazer uma representação. “Caso o voto seja contrário ao conteúdo da súmula, a questão deve constar em ata de forma mais detalhada possível e, em seguida, o presidente do colegiado deve fazer uma representação à presidência do Carf dando notícia do ocorrido, que é exatamente o que eu irei fazer”.

No centro da discussão está a Súmula 11 do Carf, que prevê a não aplicação da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. A prescrição existe para garantir a duração razoável do processo e, no caso de processos administrativos, a União tem até três anos para analisar os pedidos feitos pelas partes.

Ao analisar o julgado, os conselheiros dos contribuintes votaram pelo reconhecimento da prescrição intercorrente porque o caso concreto tratava de multa aduaneira. Eles entendem que a Súmula 11 restringe-se apenas a matéria tributária, e não aduaneira.

Como efeito prático, caso fosse formada maioria no colegiado, seriam declaradas prescritas as multas cobradas em processos pendentes de movimentação a três anos.

“Me sinto coagida”

A manifestação do presidente o colocou em rota de colisão com os representantes dos contribuintes Leonardo Branco, Fernanda Kotzias e Mariel Orsi Gameiro. Eles alegaram não haver descumprimento da súmula, mas sim uma distinção ao não aplicá-la no caso concreto.

“Se o senhor consignar em ata dizendo que eu descumpri súmula, o senhor está dizendo que eu não tenho direito a fazer um distinguishing, nos termos do manual do próprio conselho”, disse a conselheira Fernanda, que considera a atitude do presidente “um cerceamento muito grave às atribuições dos conselheiros”.

Ela defendeu que não era o caso de representação e complementou: “Esse é o meu trabalho, dependo disso para sobreviver, por isso estou me sentindo, sim, coagida. Não é o caso de agir dessa forma”. A conselheira também apontou diferença de tratamento, já que os representantes do fisco, se afastados do Carf, serão “simplesmente recolocados com salário integral e todos os benefícios” à Receita Federal.

Em uma de suas réplicas, o presidente disse que não ter feito ameaças, mas sim um alerta. “Muitas vezes a gente tenta fazer um alerta, avisar de uma situação como uma preocupação e ser entendido como ameaça. Essa decisão [apresentar a representação] não foi minha e não será minha.”

Apoio interno

O conselheiro Leonardo Branco destacou os efeitos da falta de apoio institucional para proferir voto: “o apoio é determinante para atividade do julgador, que precisa ser imparcial. A imparcialidade só existe se a gente tiver segurança que as nossas decisões vão estar nos autos.”

“Eu preciso de serenidade, tranquilidade para dizer que a esse caso a súmula não se aplica. Estou contrariando a regra do Carf que diz que há perda de cargo se violar a súmula? De modo nenhum, ninguém aqui está fazendo revolução, estamos seguindo as regras. O manual do presidente diz: se houver distinguishing, basta consignar no voto e pronto”, afirmou o julgador.

Além disso, Branco chamou a atenção para o peso de uma representação contra conselheiros, ainda que ao final do processo eles sejam inocentados. “A representação está feita. O achaque está feito, o eventual crime contra a honra está feito. É injurioso dizer: ‘Você descumpriu uma norma, o que vai custar o seu emprego, seu salário, o mandato, a caneta’”.

Já ao final, o relator do processo, conselheiro Ronaldo Souza Dias, afirmou que o presidente não cerceou a discussão técnica, e defendeu que a representação “é juízo do presidente”. Para evitar constrangimento, ele sugeriu debater na turma qual seria a punição aplicável para descumprimento de súmula. No entanto, o presidente afirmou que isso é de competência da administração do Carf.

Passadas três horas de debate, o presidente encerrou a sessão e retirou o processo de pauta. A sessão aconteceu pela manhã do dia 25 de março, e todos os demais processos sobre o tema e que estavam previstos para julgamento à tarde foram adiados.

Desdobramentos em breve

O presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes (Aconcarf) afirmou ao JOTA que apoia e se solidariza com os conselheiros que se sentiram coagidos. Segundo Laércio Cruz Uliana Jr., além de os conselheiros serem experientes, a conduta deles “foi coesa com o que determinam as normas internas no Carf”.

“A ameaça, por si só, reflete uma interferência indevida e contrária ao livre convencimento dos conselheiros, que independente da bandeira de representação – fisco ou contribuinte, devem pautar suas decisões em entendimentos técnicos e fundamentos legais; e não em arguições de cunho pessoal”, defendeu a associação em nota de repúdio.

O JOTA apurou que o Conselho Federal da OAB e algumas Confederações também analisam o assunto em regime de urgência. O advogado tributarista Igor Mauler Santiago, que integra a Comissão de Direito Tributário da OAB, afirmou que o grupo já está estuda quais medidas poderão ser tomadas.
Processo citado na notícia: 10280.722093/2011-42

Por: FERNANDA VALENTE

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